terça-feira, 6 de setembro de 2011

A bela adormecida (para sempre)

Ela não daria o tiro no pé.
Ficou imóvel pouco mais do que quarenta minutos ao lado do criado mudo, que aparava apenas um velho abajour e uma garrafa de vinho seco ruim já no final.
Era noite, estava frio e gotas serenas deslizavam pela a vidraça da janela enferrujada.
Ela permanecia petrificada, com as unhas sujas disfarçadas com um esmalte vermelho descascado e observava as pessoas que zanzavam lá em baixo na rua. Passava-lhe na mente o quanto podia ser engraçado e amedrontador (como aqueles cinemas-mudos, em preto e branco), vê-los e não ser vista, mas que era muito mais, o inverso.
Sorveu um último gole, deu um ligeiro afago em seu gato Blake, pegou seu casaco...O salto agulha lhe deixava desconfortável, mas era necessário estar à caráter: Olhos pintados de negro, lábios carmim e uma cinta-liga sob o sobretudo.
Olhou uma última vez em seu relógio no pulso direito.
Abriu a porta, desceu as escadas com a visão um pouco turva (devia ser o vinho) e antes que terminasse os últimos degraus, foi assassinada com um tiro na virilha e outro central no pericárdio.
Morreu bela.

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